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16 de janeiro de 2005

Pouco ou nada 

Há três anos, no início do actual ciclo político, as expectativas dos agentes económicos numa governação moderna e transformadora eram elevadas. Durão Barroso e a sua equipa beneficiavam de um confortável capital de confiança, sustentado no discurso da tanga, na promessa do choque fiscal e no desígnio de reforma da administração pública. Já no poder, perdoou-se-lhe o aumento do IVA, tal a determinação e o rigor que a sua ministra das Finanças parecia revelar no combate ao défice orçamental. Perdoou-se-lhe a quebra abrupta dos índices de confiança, em nome do supremo desiderato da consolidação financeira. Perdoou-se-lhe a introdução canhestra do princípio do utilizador-pagador, pelo qual até os segmentos mais esclarecidos se deixaram seduzir sem se aperceberem das suas contradições. Perdoou-se-lhe a fuga para Bruxelas, para onde foi tratar da sua vida, deixando o país entregue a um seguidor errado. Três anos volvidos, a actual maioria deixa-nos uma mão cheia de nada. Nem o défice melhorou, nem a economia arribou, nem as prometidas reformas estruturais aconteceram. Mas nem tudo foi tempo perdido. Houve opções tomadas com acerto e que importaria prosseguir durante o próximo ciclo governativo.

O mandato de Manuela Ferreira Leite será um dia um case study de Finanças Públicas. Ninguém poderá assacar-lhe falta de empenho, de seriedade ou de convicção no combate que obsessivamente travou contra o défice. Procurou disciplinar a intendência, controlar as despesas, recrutar quadros competentes para a administração fiscal e introduzir regras de avaliação de desempenho na função pública. Quaisquer que venham a ser as futuras políticas orçamentais e as nuances contabilísticas para Bruxelas ver, a gestão dos dinheiros públicos pós-Ferreira Leite (e pós-pacto) não voltará a ser o domínio virtual que foi durante anos a fio. São boas notícias.

Ao invés, tudo falhou nas intenções de reforma da administração pública. Desde logo, a mensagem política. Não é possível domar o monstro da despesa com uma mensagem simplesmente financeira e hostil aos interesses legítimos dos servidores públicos. A ineficiência do Estado só pode ser combatida com uma visão transformadora, onde a parcimónia nos gastos se associe a uma orientação de serviço para o cidadão, capaz de valorizar e qualificar os recursos humanos através da introdução de novos métodos de gestão e de ferramentas de trabalho evoluídas. Se alguém imagina que é possível mudar a máquina com simples grelhas de avaliação de desempenho, desorçamentações e parcerias público-privado, desiluda-se. Impõe-se inteligência, capacidade de decisão e cirurgia pesada ao nível dos principais sistemas públicos.

Igualmente prometedoras eram as intenções no capítulo da sociedade de informação. A UMIC nasceu direita, produziu um bom plano de acção, alinhado com os objectivos da iniciativa e-Europe, mas cedo se viu confrontada com dificuldades previsíveis. A primeira foi a tradicional falta de sensibilidade política para a matéria, bem patente na escolha de José Luís Arnaut como responsável pelo pelouro. A segunda foi o espartilho financeiro a que o Terreiro do Paço a submeteu, limitando-a fortemente na sua capacidade de realização. A terceira foi o pecado da gula. Teria sido preferível, dada a exiguidade de meios, concentrar as energias num pequeno naipe de processos-chave, reengenhando-os numa lógica selectivamente radical. Mas não. A extrema preocupação do governo em mostrar mais e melhor obra do que o seu antecessor socialista conduziu-o à dispersão de esforços e a um output decepcionante. À excepção do Portal do Cidadão e dos novos processos de compras públicas on line, os resultados são magros. Em três anos de actividade, não conseguiu sequer substituir as nossas vetustas peças de identidade - BI, cartão de contribuinte, cartão de eleitor, cartão de beneficiário da Segurança Social, entre outros - por uma peça única de formato digital, algo a que se comprometera no início do seu mandato e que agora, ironicamente, promete para daqui a seis meses...

Do lado bom do balanço ficam as iniciativas levadas a cabo no sector da saúde - com a introdução de regras de gestão empresarial nas unidades hospitalares - e na comunicação social pública, onde o tino dos gestores e a qualidade média dos conteúdos constituíram boas surpresas. Além de uma nova lei do arrendamento, que fica por regulamentar, saúda-se igualmente o fim da guerrilha na governança da transportadora aérea nacional e os passos dados no sentido da liberalização dos serviços notariais. É pouco, muito pouco para quem tanto prometeu. Mas o pouco que é merece ser continuado pelos dirigentes vindouros.

Luís Nazaré, in Jornal de Negócios, 13 de Janeiro de 2004

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