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5 de julho de 2005

Todos os caminhos vão dar a Palma 

Aconteceu assim: queria escrever sobre os ?The Killers?. Já tinha uma citação e tudo para abrir a peça, ?Voici le temp des assassins? ? uma tirada do Rimbaud que me valeria, no mínimo, um piscar de olhos maroto de alguma estudante de Filosofia em pleno bar da Cinemateca. Porque ando há 15 dias obcecado com o tema ?Mr. Brightside?, uma canção rock vibrante, 3 minutos poderosos sobre o ciúme, um festim de guitarras e bateria para deixar um homem bem disposto toda a manhã mesmo que a vá passar no Cartório Notarial de Odivelas. Ainda por cima o vídeo deste single é interpretado por um dos mais adoráveis canastrões da história do cinema de série B a Z, Eric Roberts (irmão mais velho de, sim, essa mesmo, Julia Roberts). Mas não, meus amigos. E porque não?
Porque a FNAC é uma fraude. E aproveito mais 500 caracteres sem falar de Jorge Palma para desancar a multinacional. A FNAC, francesa como é, cumpre à risca a tradição feminina parisiense: cheira mal. Por detrás daquelas estantes bem arrumadas e funcionários aprumados está um enorme e mal-cheiroso par de sovacos. Só isso pode explicar a dificuldade em encontrar discos de lançamento tão recente como os álbuns dos ?The Killers? ou ?Franz Ferdinand?, só para citar duas das minhas mais recentes amarguras ? que me obrigaram a calcorrear as aparentemente funcionais fnac?s-que-se-disseminam-por-aí-como-cogumelos-com-o-cio em vão.
Bem, deitada cá para fora toda a bílis acumulada, vamos ao que interessa. Desgostoso, abandonado numa estante atafulhada da FNAC com discos de Moby e Ágata nas mãos, ponderei o suicídio. E, como em tantas outras ocasiões, um amigável bombeiro surgiu da penumbra para me salvar. De quem falo, ladies & gentlemen? The one and only, Mr. Jorge Palma.
Encontrei o Norte no álbum homónimo. Palma regressa em grande forma. Sobretudo para um vencido da vida. Sim, é isso que atravessa todo o disco. Um vencido da vida, campeão da dignidade, D. Quixote reformado mas ainda com disposição e ânimo para alguns biscates. Entre ambiente de cabaret e sons de Dixie, blues à la Palma e pianadas de fazer cair o cabelo ao Luís Represas, a voz até chega a falhar mas Palma, o Jorge, mesmo que afastado enfim do tabaco e do álcool, ainda os têm dentro de si. E ainda bem que não os perdeu. Jorge Palma é a voz das rugas, todo ele encanto e dor e, como se pode ver em cada uma das suas fotografias, mantém o mais belo de todos os sorrisos resignados.
Se a genialidade fosse um minuto, Palma seria uma hora. Claro que, como sabemos, da genialidade não se exige constância. Constância, regularidade, frequência, são coisas para os esforçados. Palma, todavia, não é nenhum Costinha. É Deco, desequilibrado, irregular, mas capaz de resolver um jogo inteiro num só lance, num só rasgo. Tudo bem, ?Norte? não é ?Só?. Mas um álbum com duas pérolas como ?Passeio dos Prodígios? e ?Valsa de um Homem Carente?, mesmo que inclua meia dúzia de versos manhosos pelo meio, é suficiente para nos reconciliar com a condição humana e obrigar-nos a queimar, serenamente, o single da ?Feiticeira? que comprámos numa tarde chuvosa de Outono, minutos antes de ponderar o suicídio. Adiemos, pois, o fim. Palma lives on.

NOTA: se os senhores da FNAC quiserem, estou disposto a apresentar um pedido público de desculpas em troca dos álbuns supracitados bem como da discografia completa de Lou Reed, todas as séries dos ?Sopranos? em DVD e do número de telefone da funcionária Catarina Gonçalves, da secção Música Clássica da FNAC no Cascais Shopping. Obrigado.

Luís Filipe Borges, in A Capital

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