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17 de abril de 2006

Voos da CIA - é preciso investigar 

por Ana Gomes (escrito para o "Acção Socialista" e publicado em 17/3/06)

O PE criou uma Comissão para investigar alegações de utilização de território europeu e de conivência de membros da UE no transporte, detenção ou interrogatório sob tortura de suspeitos de terrorismo. Há dois deputados portugueses na Comissão - Carlos Coelho, do PSD, que a preside, e eu própria.
Nas audições com vítimas e investigadores, a Comissão está a recolher depoimentos acabrunhantes. Saliento o do Procurador italiano, Juiz Armando Spataro, que chefiou a investigação sobre o rapto de Abu Omar, imã da mesquita de Milão. 22 agentes da CIA são alvo de mandatos de captura europeus, acusados de terem organizado, em articulação com o consulado americano em Milão e a embaixada em Roma, o sequestro e o transporte da vítima para o Egipto (onde foi torturado e continua preso) através das bases militares de Aviano (Itália) e Rammstein (Alemanha). O desleixo nas pistas deixadas por aqueles agentes revela o sentimento de impunidade com que actuavam: nada poderia funcionar sem a cumplicidade de autoridades italianas, civis e militares. O processo judicial está a correr, mas o Ministro da Justiça de Berlusconi tarda já quatro meses a executar o pedido do tribunal requerendo dos EUA a extradição dos acusados.
Aterradores foram os testemunhos do alemão Khaled Al Masri e do canadiano Maher Arar, sequestrados, transportados por aeroportos da Europa e Médio Oriente, detidos incomunicáveis durante meses em cadeias sinistras no Afeganistão e Síria, torturados e finalmente libertados quando os captores não puderam mais evitar reconhecer-se errados. O primeiro esteve na origem de um pedido de desculpas da Sra. Condoleezza Rice à Chanceler Angela Merkel e move agora um processo contra o Estado alemão por cumplicidade dos Serviços Secretos no seu referenciamento aos americanos. O segundo tem a credibilidade estabelecida por detalhadas investigações judicial e parlamentar canadianas.
A convocação pela Comissão do PE de governos implicados ficará para o fim, para que respondam a perguntas sobre factos estabelecidos. Convém notar que boa parte das informações que suscitaram os inquéritos do Conselho da Europa e do PE, provieram de fontes americanas - funcionários, militares e até agentes da CIA indignados com a violação dos direitos humanos, do direito humanitário e das leis americanas e alarmados com os efeitos de tais práticas na eficácia da luta contra o terrorismo.
O que a Comissão já ouviu permite concluir que certos governantes europeus, que negaram e negam ainda, afinal mentiram. Outros, no mínimo, não investigaram diligentemente, como a gravidade das violações exige - como veio recentemente sublinhar a prestigiada Comissão de Veneza do Conselho da Europa. O mais desgostante, é que entre os cúmplices estão governantes de esquerda - já há elementos sobre alemães e suecos (sem falar nos ingleses...).
E é aqui que Portugal vem ao caso. Não é que tenham já surgido sólidos elementos sobre cumplicidades portuguesas no uso de portos e aeroportos, civis e militares. Mas sabe-se do servilismo do governo de direita que alinhou Portugal com os invasores do Iraque. O que levanta suspeitas não é o que o actual governo socialista já disse, mas sim aquilo que não disse. Ainda. Os buracos nas explicações fornecidas pelo MNE na AR e ao Conselho da Europa são evidentes. Perguntas que submeti ao governo aguardam respostas. Um exemplo apenas: foram autorizados pedidos de sobrevoo ou utilização de aeroportos nacionais por aeronaves que tivessem por destino ou origem Guantánamo?O silêncio é conspícuo. Não se espera do PSD e PP que façam hara-kiri na AR. Mas do PS espera-se que não preserve aparências, mas antes investigue seriamente procedimentos susceptíveis de permissividade. Não se investigando, não pode detectar se há serviços com práticas incorrectas, mantidas por inércia ou instituídas pelos governos da direita. E não os detectando, não se pode corrigi-los. Estão em causa graves violações da legalidade e dos direitos humanos em particular. Quem fechar olhos é responsável por omissão grave. Além de se constituir cúmplice por encobrimento.

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