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12 de março de 2007

'Eixo do mal' fora dos eixos 

Por Ana Gomes

Em Dezembro o Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU) impôs sanções suaves contra o Irão, visando puni-lo pela falta de transparência do programa nuclear (que Teerão pretende apenas civil) e pela recusa em suspender o enriquecimento de urânio, como já tinha sido exigido pela resolução 1696 (de 31 de Julho). Agora, o último relatório da Agência Internacional de Energia Atómica (AEIA) vem confirmar que o Irão não só não suspendeu o enriquecimento de urânio, como está a semanas de o passar da fase experimental para a escala industrial.

Há três possíveis abordagens para lidar com a atitude desafiadora de um regime que ameaça não só Israel, mas também os vizinhos no Golfo Pérsico, e interfere no Iraque, no Líbano e na Palestina:

A primeira consiste em manter o presente rumo, supostamente intensificando as sanções e insistindo no princípio do abandono por parte do Irão do enriquecimento doméstico de urânio. Tendo em conta a incapacidade do CSNU em se pôr de acordo sobre sanções verdadeiramente punitivas (como a proibição de viajar para os líderes do regime, a suspensão do apoio técnico à indústria petrolífera iraniana ou um embargo de armas) e a relutância de países europeus em limitar as relações económicas com Teerão (incluindo Portugal, que parece sonhar com uma faustiana joint-venture luso-iraniana no Porto de Sines), é evidente que esta abordagem não abala Teerão e não lhe afecta a capacidade de desenvolver uma bomba nuclear.

A segunda possibilidade é a advogada pelo International Crisis Group (ICG), e consiste em permitir que o Irão mantenha algum enriquecimento doméstico para fins pacíficos, em contrapartida de apertada vigilância da AEIA. Neste cenário, qualquer tentativa por parte do Irão de desenvolver a bomba levaria automaticamente a pesadas sanções económicas e à possibilidade de uma opção militar. Desta forma, o Irão salvaria a face e os danos da já consumada capacidade iraniana de enriquecimento seriam aceites pela comunidade internacional, mas circunscritos.

Finalmente, a opção militar. Para além do facto de o CSNU nunca vir a dar luz verde a um assalto preventivo israelita ou a mais uma aventura militar de uma administração americana descredibilizada no Médio Oriente e não só, todos os especialistas na matéria insistem que um ataque militar não faria mais do que atrasar por alguns anos o programa iraniano: não é possível atingir os alvos subterrâneos e muito menos "desensinar" os cientistas iranianos.

A lição principal do recente acordo nuclear com a Coreia do Norte (agora súbita - mas tardiamente - fora do 'eixo do mal') é clara: o óptimo é inimigo do bom. Toda a gente preferia que o regime em Teerão fosse outro, que o Irão não tivesse aspirações hegemónicas na região, que não tivesse uma retórica ameaçadora em relação a Israel, que não tivesse relações tão boas com a Rússia e que não tivesse um programa nuclear tão avançado. Mas tem.

Portanto, a menos que a última demonstração de intransigência iraniana leve a um verdadeiro esforço global no sentido de esgotar as possibilidades de punições não-militares à disposição da comunidade internacional, temos de contemplar a alternativa proposta pelo ICG.

É difícil adivinhar qual será a resposta do regime iraniano a uma proposta com estes contornos, até porque se o objectivo de Teerão for a bomba nuclear a qualquer preço, não há solução pacífica, ou opção militar que nos ajude. Mas se for verdade que o debate interno iraniano começa a dar sinais de desconforto com a inflexibilidade da liderança, vale a pena fazer cedência e tentar evitar o confronto militar.

É que um ataque ao Irão nunca será cirúrgico e preciso. Atacar o Irão significa ir para a guerra. À séria. Estamos preparados?

(Publicado no COURRIER INTERNACIONAL, em 2.3.2007)

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