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24 de junho de 2014

Socialistas europeus não passam cheque em branco a Juncker 

Por Ana Gomes


No final desta semana realizar-se-á uma Cimeira Europeia, a primeira desde as recentes eleições para o Parlamento Europeu. O principal tema a tratar é a indigitação de um sucessor para Durão Barroso à cabeça da Comissão Europeia - o que poderá implicar um pacote de outras nomeações para lugares-chave na UE, incluindo o de Presidente do Conselho Europeu, hoje desempenhado pelo belga Van Rompuy. 

Mas é em torno da sucessão de Barroso que se joga o principal braço-de-ferro: com o governo conservador britânico a pretender inviabilizar a indigitação do ex-PM luxemburguês, Jean Claude Juncker, que considera um perigoso federalista.

Juncker, recordo, foi apresentado às recentes eleições europeias como o candidato aquele lugar pelo Partido Popular Europeu, grupo político em que se integram PSD e CDS. No conjunto dos estados europeus, Juncker acabou por ser o mais votado. A Chanceler Merkel preferiria um presidente da Comissão Europeia politicamente fraco, como Barroso, e por isso não lhe agradou que o seu próprio partido político se atrevesse a apresentar um candidato ao voto popular. Mas já veio, entretanto, reconhecer que seria democraticamente inaceitável deitar agora fora os votos dos eleitores, e já deixou entender que não cede à chantagem do PM Cameron, mesmo que este ameace com a saída do Reino Unido da UE. (O Tratado de Lisboa, de resto, determina que votação nesta matéria seja por maioria qualificada, nenhum governo tem direito de veto).

Juncker deverá, assim, obter a nomeação pelo Conselho Europeu. Mas, nos termos do Tratado, tem de ver o seu nome aprovado depois em votação maioritaria  do Parlamento Europeu, o que exige 376 votos. 

É aqui que entra o Grupo dos Socialistas e Democratas europeu, sem cujos 192 votos ninguém conseguirá a maioria necessária no PE para aprovar a Comissão Europeia. O Grupo Socialista exige respeito por parte do Conselho Europeu pelos resultados do voto democrático dos cidadãos através da indigitação de Juncker; mas não está disponível para lhe passar um cheque em branco: está nesse momento a acertar as condições e os compromissos que vai pedir a Juncker para lhe dar o seu apoio.

E eles vão desde esperar que Juncker apresente uma Comissão com lua com uma composição equilibrada em género  (governos inteligentes perceberão a mais-valia de designar mulheres...), até a mudanças substantivas nas políticas económicas e sociais para os próximos 5 anos que façam a UE livrar-se da orientacao austericida, pouco solidária  e anti-coesão que tem prevalecido: trata-se de ouvir a mensagem dada pelos cidadãos que foram votar - incluindo através dos votos de protesto em forças populistas anti-europeias - e que condenaram essa orientação que tem agravado desigualdades, injustiça, pobreza, e a falta de crescimento económico e de emprego na UE.

Para ganhar o apoio dos socialistas europeus, qualquer candidato a presidente da Comissão terá de se comprometer em investir em crescimento sustentável e na criação de empregos decentes e seguros, a combater a pobreza e a desigualdade, a salvaguardar a liberdade de circulação sem abrir a porta ao "dumping" social, a reforçar o respeito pelos direitos fundamentais e a reforçar os mecanismos da coesão territorial, econômica  e social, a estabelecer uma política de imigração e de asilo comum e a fazer a UE tornar-se mais democrática e transparente, prestando contas aos cidadãos. 

A exigências do grupo socialista serão específicas, incluindo o completar da União Bancária para regular o sistema financeiro e salvar o euro - com a garantia de depósitos para os depositantes, que ainda está no tinteiro - até à flexibilização das condições de aplicação do Tratado Orçamental e do Pacto de Estabilidade e Crescimento e em políticas coordenadas através do chamado Semestre Europeu, para que efectivamente se possam direccionar recursos para investir no crescimento económico,  na reindustrialização da Europa e na criação de emprego. Designadamente, através da exclusão de certas categorias de investimento público - (para educação, saúde, investigação e ciência, por exemplo - do cálculo do deficit orçamental. Exclusão pedida, e muito justamente, pelo governo italiano de Renzi - que, através destas eleições, ganhou peso substancial no plano europeu.

Para recuperar as finanças públicas dos Estados Membros  e garantir que os sistemas fiscais funcionam com justiça - e Portugal é exemplo de gritante injustiça -  os Socialistas exigem  a Jean Claude Juncker que se comprometa, como Presidente da Comissão (ainda por cima vindo de um Estado, o Luxemburgo,que tem funcionado como uma espécie de paraíso fiscal) que tome medidas decisivas contra a evasao e fraude fiscais, contra os paraísos fiscais, para se recuperar uma parte substancial dos mais de um trilião de euros que, ano após ano, os governos europeus perdem em receitas. E os Socialistas pedem condições de equilíbrio nos impostos sobre o rendimento de empresas entre todos os estados europeus para evitar a concorrência fiscal - o "dumping" fiscal - que actualmente vigora. E pedem ainda que se concretize  a aplicação do Imposto sobre Transações Financeiras, já acordado entre 11 Estados membros - incluindo a Alemanha e Portugal- neste caso, um dos raros resultados positivos da atrelagem de Passos Coelho a Merkel...

Entre outras, estas são exigências que vão claramente ao encontro dos interesses de Portugal e dos portugueses forçados a espalhar-se como emigrantes por essa Europa. São propostas que vão ser apoiadas por vários governos no Conselho Europeu, designadamente pelo novo governo italiano. São propostas que deviam ser estrategicamente apoiadas pelo Governo de Portugal, que se devia empenhar em estabelecer alianças tácticas com países com interesses semelhantes aos nossos, como a Espanha, a Itália, a Grécia e a Irlanda, etc. no quadro europeu, para pressionar e vencer resistências de outros. A Europa pode  já estar a começar a mudar. Mas que fará Passos Coelho? Apanha o combóio da mudança ou prefere ficar em terra, agarrado às calças da Sra. Merkel?


(Notas da minha crónica de hoje no "Conselho Superior", ANTENA1)




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