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13 de maio de 2015

O embuste do Governo no desmantelar dos ENVC 

Por Ana Gomes


A Comissão Europeia considerou na semana passada que o apoio financeiro que governos portugueses prestaram aos Estaleiros Navais de Viana do Castelo (ENVC) ao longo de anos, no montante de 290 milhões de euros, constituia "ajudas de Estado", ilegais face às regras da concorrência europeia. E, por isso, ordenou a devolução desse montante por parte dos ENVC ao Estado.

O actual Governo, pela boca do Ministro da Defesa Nacional Aguiar Branco veio logo, publicamente, regogizar-se por esta decisão condenatória para Portugal. Esta era, precisamente, a solução que o Ministro pretendia, por ir ao encontro dos objectivos do processo de privatização que iniciou.  E que depois mudou para subconcessão. Roubando os Estaleiros ao serviço publico, especificamente à produção para a Marinha, e roubando-lhes negócios lucrativos que, bem geridos, permitiriam a sobrevivência da empresa, dos postos de trabalho de mais seiscentos trabalhadores e da sabedoria tecnológica  desenvolvida por aquela empresa, vital na economia da região de Viana do Castelo.

Ao contrário do que propagam o Ministério da Defesa e os porta vozes do PSD - como aqui neste mesmo espaço ontem ouvi o eurodeputado Paulo Rangel - o objectivo do Governo não era salvar os estaleiros. A ideia foi sempre justificar a entrega dos Estaleiros a privados! Essa é a obcessao deste Governo: entregar tudo o que possa dar lucro a privados e empobrecer, enfraquecer o Estado.E assim se compreende a fúria privatizadora na TAP, na Carris, no Metro, nos SCTP do Porto que o Governo prossegue indecorosamente, a meses de eleições legislativas! Mesmo depois de já ter mais do que alcançado o montante de receitas financeiras previstos obter através de privatizações constantes dos compromissos no Memorando assinado com a Troika. O Governo PSD/PP não privatiza porque é preciso, porque o reequilibrio das contas públicas o exige: o Governo de Passos Coelho e Portas privatiza e continua a privatizar porque quer enfraquecer o Estado e passar oportunidades de negócio do Estado a interesses privados! 

Assim, os Estaleiros Navais de VIana do Castelo foram entregues a uma subconcessionária, a West Sea, subsidiária da falida Martifer, empresa sem qualquer expertise na construção naval da envergadura dos ENVC. O Governo destruiu uma empresa que fazia parte da Base Industrial e Tecnológica da Defesa nacional e europeia e que tinha potencial económico a nível nacional e europeu se fosse bem gerida. E não acautelou o interesse público que, certamente, passava por uma gestão moderna e capaz, que há muito os Estaleiros não tinham e que era dever do Governo ter assegurado - deste e de anteriores governos, incluindo do PS, sublinho.  

Mais, os Estaleiros tinham encomendas tanto do Estado, como de privados, à data em que este Governo decidiu desmantelá-los - recordo que o Ministro da Defesa Nacional resolveu subitamente cancelar os contratos dos navios encomendados para a Marinha nacional, em vez de os manter e com eles justificar junto da Comissão Europeia as transferências financeiras feitas do Estado (Ministério das Finanças) para o Estado - os Estaleiros, que eram 100 por cento do Estado! Acresce que não construindo os  Estaleiros  os navios para a Marinha vistos na Lei de Programação Militar, esse navios vão ter, mais tarde ou mais cedo, de ser comprados no estrangeiro: estamos já a antever as oportunidades para a corrupção nas chamadas "contrapartidas", além do que perdemos numa  capacidade da indústria nacional com potencial exportador.

Tal como fez o governo espanhol relativamente aos Estaleiros do Ferrol, na Galiza, o governo português poderia ter justificado as tais "ajudas de Estado" prestadas aos ENVC com o necessário pagamento pelo Estado desses contratos de construção de navios para a nossa Marinha, há muito encomendados! Isso foi-me dito pelo próprio Comissário da Concorrência, Joaquin Almunia, quando fiz  soar os alarmes em Bruxelas. Alarmes que, recordo, também fiz soar na PGR, onde apresentei queixa fundamentada sobre o processo suspeitamente opaco da subconcessão dos ENVC - e uma investigação judicial está em curso, tanto quanto sei. 

O Ministro da Defesa poderia ter invocado também a reestruturação da empresa - outro argumento já utilizado noutros casos de suspeitas de "auxílios de Estado" a empresas, por outros Estados Membros da União Europeia. Mas já este ano, como me confirmou por escrito, a nova Comissária da Concorrência, a Sra. Vestager, o Governo português continuava a não dar explicação nenhuma a Bruxelas. Não admira, assim, que a Comissão Europeia se tenha fartado e declarado Portugal em violação das regras europeias.

O Governo, dolosamente, absteve-se de  defender o interesse nacional e também a Defesa nacional. Tudo para dar os Estaleiros a privados, votar ao desemprego tantos trabalhadores e passar as estratégicas instalações dos ENVC a uma empresa privada que dificilmente vai conseguir garantir a sua manutenção. Hoje a West Sea faz reparação naval, não faz construção naval. E emprega apenas uma pequena fração dos trabalhadores dos ENVC.

O Ministro, de resto, tentou enganar a opinião pública: durante o processo da subconcessão, deixou que pairasse a ideia de que Portugal se arriscava a ter de devolver a Bruxelas os tais 290 milhões adiantados pelo Estado aos Estaleiros. Nada mais falseador! Quando muito, estava e está em causa uma operação contabilistica: o Estado devolve ao Estado o que entregou aos Estaleiros do Estado!

É falsa, portanto, a versão que nos últimos dias o Governo voltou a propalar de que a sua era a única solução para os Estaleiros. O Governo poderia ter defendido o interesse nacional junto da Comissão Europeia, poderia ter assegurado a reestruturação da empresa pública nomeando uma  equipa de gestão competente e investindo em parcerias estratégicas para ela. Inclusive, podia ter procurado  a entrada de capitais privados nos Estaleiros, sem prescindir do controlo da empresa. Poderia ter assegurado que os Estaleiros Navais de Viana do Castelo continuassem a funcionar para promover e desenvolver uma industria em que Portugal poderia estar no mapa da Europa, nomeadamente tendo em vista o designio do nosso país voltar a aproveitar o seu potencial marítimo. 

Mas para o consórcio PSD/PP vale tudo para desarmar o Estado. 

É vital expurgarmos o País deste consórcio apostado em vender ao desbarato empresas públicas de sectores estratégicos para os entregar a interesses privados, nacionais e estrangeiros, assim efectivamente desmantelando a nossa industria, a nossa autonomia, a nossa independência e a própria segurança nacional.


(Notas de apoio à minha crónica de ontem, no Conselho Superior da ANTENA 1)
 

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